26.12.14

AUTOCATACLISMOS

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boca aberta                                                        boca fechada
não há palavras                                                 há sempre razões
novas                                                                 de desconfiar

Alberto Pimenta

AUTOCATACLISMOS, Pianola, Lisboa, Março de 2014

25.12.14

[Natal é renascer]

     A Albano Martins


Natal é renascer
Homem ou pedra que se esconde
Renascer e nascer mudando
O tempo e o lugar onde

                               1979

Luís Veiga Leitão

POESIA COMPLETA, Organização de Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro, Apresentação  crítica de Luís Adriano Carlos, Asa Editores, S.A., Porto, Setembro de 2005

22.12.14

Solstício de inverno

Não decantes mais poemas
de Natal, a menos que
venham sem barbas nem renas
voadoras, só e se,
para além de originais
na sua extrema nudez,
realcem as radicais
contradições do que vês.

Longe de ser um poema
de Natal, com mais do mesmo,
que se alongue sobre o tema
e reluza, quase a esmo,
este celebra o solstício
de inverno, ab initio.


© Domingos da Mota





19.12.14

DE PORTA EM PORTA

-- Quem? O infinito?
Diz-lhe que entre.
Faz bem ao infinito 
estar entre gente.

-- Uma esmola? Coxeia?
Ao que ele chegou!
Podes dar-lhe a bengala
que era do avô.

-- Dinheiro? Isso não!
Já sei, pobrezinho,
que em vez de pão
ia comprar vinho...

-- Teima? Que topete!
Quem se julga ele
se um tigre acabou
nesta sala em tapete?

-- Para ir ver a mãe?
Essa é muito forte!
Ele não tem mãe
e não é do Norte...

-- Vítima de quê?
O dito está dito.
Se não tinha estofo
quem o mandou ser
infinito?

Alexandre O'Neill

POESIAS COMPLETAS, Assírio & Alvim, 5.ª Edição, Lisboa, Maio 2007

8.12.14

Confissão

Usarei a palavra que me resta,
por muito que indicie algum desgaste,
a palavra que luta, que protesta,
a palavra que brilha por contraste

com os dias pejados de negrume
que tendem a fazer da depressão
o lugar ideal para o queixume
desdobrar a penosa confissão.

Usarei a palavra que persigo,
que não digo apenas por dizer,
a palavra vital como o presigo,

que pode resistir se a mantiver
a salvo dos ardis do inimigo
ou dalgum salvador que aparecer.

© Domingos da Mota

(poema publicado, com uma leve alteração, na Antologia Confissões, Lua de Marfim Editora, 2014)

7.12.14

SONATA DE OUTONO

Inverno não ainda mas Outono
a sonata que bate no meu peito
poeta distraído  cão sem dono
até na própria cama em que me deito.

Acordar é a forma de ter sono
o presente o pretérito imperfeito
mesmo eu de mim próprio me abandono
se o rigor que me devo não respeito.

Morro de pé,  mas morro devagar.
A vida é afinal o meu lugar
e só acaba quando eu quiser.

Não me deixo ficar. Não pode ser.
Peço meças ao Sol, ao céu, ao mar
pois viver é também acontecer.

José Carlos Ary dos Santos

OBRA POÉTICA, Edições Avante (5.ª edição), Lisboa, 1994